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Como a música é percebida e afeta o corpo II

Segunda parte do artigo escrito por Hélio dos Santos Pothin, músico, Doutor em Fisiologia Humana pela UFRGS e professor de Fisiologia Humana na Universidade Federal de Santa Maria, RS. Aproveite!  

Pesquisas revelam que dentre os elementos da música, a Harmonia é percebida (torna-se consciente), predominantemente, no Córtex Auditivo do hemisfério direito do cérebro. A Harmonia é a ciência de combinar sons tocados simultaneamente de uma forma que soem bem, pois assim nosso sistema nervoso os traduz como algo agradável. Aos sons que se combinam chamamos de consonantes, os restantes são dissonantes, pois falta ordem e relação entre eles; assim, se forem percebidos pelo sistema nervoso como dissonantes (barulho ou ruído), provocam desconforto e ansiedade nos ouvintes. Em virtude da experiência diferente dos ouvintes algumas combinações de sons podem ser traduzidas também diferentemente de pessoa para pessoa. Neste caso, a interpretação pelo sistema nervoso recebe influências da cultura musical, memória e emoções[1]. A Harmonia reside em todo tipo de música, menos a puramente percussiva e ela é inerentemente intelectual (R. Jourdain. Música, Cérebro e Êxtase, editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1998, pp. 139 e 153). Ao mesmo tempo em que o Tálamo (núcleo do sistema nervoso central que recebe, processa e encaminha as informações vindas do ambiente) direciona estes impulsos nervosos, gerados pela harmonia, para o local de percepção auditiva, também os envia para serem processados no Córtex Pré-Frontal – camada cerebral mais externa no Lobo Frontal. O Lobo Frontal é a região do sistema nervoso central responsável pela razão, pelo raciocínio, pelo entendimento, por elaborar os pensamentos (mente), as decisões, ou seja, é a região intelectual do cérebro onde podemos analisar os conceitos adquiridos e decidir entre o certo e o errado. Essencial para a consciência – onde age o Espírito Santo. 

Outro elemento da música, a Melodia, também é percebida, predominantemente, no Córtex Auditivo do hemisfério direito do cérebro. O hemisfério direito é particularmente importante na vida emocional (R. Jourdain. Música, Cérebro e Êxtase, editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1998, p. 200). Os impulsos elétricos gerados no ouvido interno pela melodia da música são enviados pelos nervos e, através do tálamo, simultaneamente para o córtex cerebral e para o Sistema Límbico. As estruturas nervosas dessa última região são responsáveis por elaborar e desencadear os sentimentos e reações emocionais (emoções) como: alegria, tristeza, ira, reverência, saudade, romantismo, sensualidade, excitação, paz, ansiedade, medo, etc. Em virtude de sua natureza cíclica, essas emoções não são intercambiáveis nem podem ser expressas simultaneamente. Por exemplo: Quando os padrões cíclicos de impulsos nervosos chegam ao cérebro em intervalos de 9,8 segundos provocam emoção de reverência; 8,2 segundos, amargura; 7,4 segundos, amor; 5,2 segundos, alegria; 4,9 segundos, impulso sexual e 4,2 segundos, raiva. Por isso, as emoções de alegria e raiva ou reverência e alegria não podem ser expressas simultaneamente, pois seus ciclos não coincidem (Eurydice V. Osterman. O Que Deus diz sobre a Música, Unaspress, Eng. Coelho, SP, 4ª ed. 2004, p. 89)[2]. Pesquisa publicada na revista Current Biology revela que a capacidade de reconhecer emoções básicas na música, como alegria, tristeza e medo, é universal e independe de influências culturais (I. Mocaiber, E. Volchan, L. Oliveira e M. G. Pereira. Música emoção universal? Revista Ciência Hoje, Nº 259, maio de 2009). 

Um terceiro elemento da música, o Ritmo, diferentemente dos outros elementos musicais, é percebido, predominantemente, no córtex auditivo do hemisfério cerebral esquerdo. O ritmo da música tem a capacidade de influenciar os ritmos do corpo, por isso, é o elemento da música que exerce influência nos mais variados locais do nosso organismo. Entre tantos podemos citar os efeitos sobre: a liberação dos hormônios nas glândulas, a liberação de neurotransmissores nos núcleos do sistema nervoso central, a pressão arterial, as ondas cerebrais e os movimentos corporais (Laurence O’Donnell. Music and the Brain). Toda música executada com ritmo repetitivo, independentemente do instrumento que o produz, estoca energia nos músculos, fazendo com que eles se contraiam e relaxem ritmicamente a fim de liberar a energia armazenada, ou seja, produz movimentos físicos. Assim, pode ser útil para regular o passo, o tempo e a cadência dos movimentos (Revista Isto É. No. 2046 p. 68, 28/01/2009). 

O ritmo da música é classificado em dois diferentes tipos. O primeiro a ser considerado é aquele conhecido como padrões de batidas acentuadas que podem ser modificados pela síncope e outros dispositivos a fim de torná-los mais interessantes. Apresenta uma sucessão regular e altamente previsível de notas enfatizadas. Este é o ritmo predominante na maior parte da música popular no mundo inteiro. Sua marca registrada é o incessante bater de tambores. Musicólogos classificam esse tipo de ritmo como metro ou instrumental. A segunda concepção de ritmo é completamente diferente, pois varia constantemente e não tem as acentuações repetitivas e compassadas do metro. Denominado fraseado ou vocal ele é construído por uma sucessão de formas sônicas irregulares, que se combinam de várias maneiras. Este é o ritmo compatível ou concordante com o ritmo do movimento biológico natural (respiração, batimentos cardíacos, liberação pulsátil dos hormônios, ondas cerebrais, gestos) e que surge naturalmente da fala e da canção. Na música o metro dá ordem ao tempo e o fraseado confere uma espécie de narrativa. Quando um tipo de ritmo é enfatizado, ele tende a obscurecer o outro. (Robert Jourdain. Música, Cérebro e Êxtase. Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1998, pp. 167, 170-175). 

Quando o som da música com ritmo repetitivo e acentuado (marcado), metro, alcança nosso sistema auditivo é transformado em impulsos nervosos os quais são enviados a várias partes do organismo. Assim como o som musical, os movimentos do corpo desdobram-se através do tempo e então as sensações musculares são um meio apropriado para representar padrões rítmicos. Além de estimular os músculos a produzir movimentos físicos, as descargas de impulsos nervosos produzidas por ritmos que marcam ou acentuam os tempos fracos e os contratempos (sincopado) estimulam, também, vários centros nervosos no Tronco Cerebral como o Lócus Cerúleus, responsável pela liberação do neurotransmissor Noradrenalina e os Núcleos da Rafe, que liberam Serotonina. O Lócus Cerúleus também é fortemente ativado por estímulos sensoriais novos e inesperados (Robert Lent. Cem Bilhões de Neurônios, ed. Atheneu, São Paulo, SP, 2004). Os neurotransmissores, e/ou metabólitos gerados a partir deles, quando liberados em altos níveis ou durante um tempo maior que o normal, pelos núcleos do tronco cerebral, possuem ações as quais são imitadas pelas drogas psicoativas (cocaína, nicotina, anfetaminas, etc.) no sistema nervoso central (Córtex Pré-frontal, Sistema Límbico, Cerebelo e Medula Espinhal) e podem produzir euforia, convulsões, transe, hipnose, tolerância e vício (Roger Liebi, Rock Music! The Expression of Youth in a Dying Era, Zurich, 1989; Vanderlei Dorneles. Cristãos em Busca do Êxtase, Unaspress, Eng. Coelho, SP, 3ª ed. 2006, p. 25).

A liberação aumentada de neurotransmissores como a Noradrenalina e a Dopamina produz efeitos em todas as partes do sistema límbico e do córtex cerebral. Um dos efeitos, no sistema límbico, é a estimulação do centro de recompensa (área tegmentar ventral, núcleos septais e núcleo accumbens) o que produz prazer. Tudo que produz prazer tende a ser repetido. Outro efeito ocorre na modulação da excitabilidade do Córtex Cerebral, pois, níveis aumentados de Noradrenalina e Adrenalina inibem as funções do córtex pré-frontal (razão, discernimento) (Robert Lent. Cem Bilhões de Neurônios, ed. Atheneu, São Paulo, 2004). Além disso, a Adrenalina estimula os corpos amigdalóides cerebrais, supostamente o centro do comando emocional (MuSICA Research Notes, vol. IV, edição 2, Outono de 1997: Norman M. Weinberger. The Musical Hormone). Isso pode levar à predominância das emoções sobre a razão. Quando isso ocorre, a mente não consegue mais utilizar os conceitos do que é certo ou errado, ou mesmo utilizar o comando voluntário para controlar suas ações (Vanderlei Dorneles. Cristãos em Busca do Êxtase, Unaspress, Eng. Coelho, SP, 3ª ed. 2006, p. 161). 

O ritmo repetitivo sincopado e marcado, semelhantemente às drogas psicoativas, aumenta os níveis de Neurotransmissores (Noradrenalina, Serotonina e Dopamina) e de Adrenalina no Sistema Nervoso Central e, por isso, acentua o prazer produzido pelo estímulo cerebral sobre o Centro de Recompensa. Esta sensação de prazer tende a ser repetida e, se não for repetida, o sistema nervoso central sente necessidade dela gerando, assim, a dependência. Além disso, à medida que esta sensação de prazer é repetida, um nível cada vez maior de estímulo é requerido para produzir o mesmo efeito anterior levando à tolerância (H. P. Range e col., Farmacologia, 5aed. Elsevier, RJ, 2004). A tolerância reforça a dependência e, superando o controle voluntário do córtex pré-frontal, geram o vício. Portanto, a música ativa alguns dos mesmos sistemas de recompensa estimulados por comida, sexo e drogas (Norman M. Weinberger. Revista Mente e Cérebro, Edição Especial: Segredos dos Sentidos, Ediouro, SP, pág. 53). 

Verle Bell relata: Uma das mais poderosas liberações de adrenalina, na reação de fuga ou luta, acontece na música com volume forte, ritmo e acordes discordantes. Os músicos descobriram que a música que não segue as regras matemáticas exatas da harmonia e do ritmo corporal (fraseado), faz com que o ouvinte experimente um clímax viciante. Assim como as anfetaminas causam dependência, os músicos utilizam o ritmo discordante ou sincopado para causar dependência e tolerância e assim vender bem. A mesma música que no passado criava uma sensação agradável de excitação, agora não satisfaz mais. Ela precisa se tornar mais estridente, mais intensa e mais discordante (Verle Bell. “How the Rock Beat Creates an Addiction” em How to Conquer the Addiction to Rock Music, Oakbrook, IL, 1993).

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[1] Estudos revelam que há um caráter inato na consonância clássica, onde a estruturação harmônica é conseguida quando os sobretons têm freqüências múltiplas do tom fundamental. Tanto é assim que bebês com poucos meses de vida, assim como, cobaias de laboratório, demonstram preferir os intervalos consonantes (harmoniosos) em relação aos muito dissonantes (intervalos de semitom paralelos) (Norman M. Weinberger. Revista Mente e Cérebro, Edição Especial: Segredos dos Sentidos, Ediouro, SP, pp. 47-53). 

Na membrana basilar da cóclea a freqüência do som é determinada pela posição da vibração e os impulsos nervosos são enviados com um padrão de periodicidade e simetria. A interpretação fisiológica psicoacústica é de que o sistema nervoso elabora o conjunto dos sinais mais facilmente quanto menor a sua complexidade. Para isso usa uma rede neural mais simples e esta circunstância gratificante é que dá origem à consonância. Os sinais de consonância clássica são preferidos, pois são mais fáceis de iniciar e decifrar e, além disso, são mais próximos dos sons complexos naturais, mais familiares ao cérebro. 

O intervalo mais apreciável pode ser identificado naquele que vai da quinta perfeita à terça maior, incluindo quarta perfeita e sexta maior. 

Gradualmente, porem, ao longo dos anos, a dissonância se tornou parte integrante do discurso musical e assumiu o papel de ressaltar as consonâncias. Ao ouvido educado desta maneira, a diferença entre dissonância e consonância tende a perder-se: as duas se integram num tecido mais heterogêneo e espesso. 

O gosto musical evolui da preferência nítida pela consonância clássica no momento do nascimento, já que esta consonância comporta reminiscências dos sons da natureza, para a exigência de estruturas mais complexas e desviantes na idade madura, quando o gosto se refina e se desenvolve (Andréa Frova. Revista Viver, Mente e Cérebro – Edição Especial No 3: Percepção – Como o cérebro organiza e traduz a realidade captada pelos sentidos. Artigo Bases da Harmonia na Música, págs. 71-77). 

Depois de analisar estes relatos e associar com a frase relatada anteriormente: “Deus não se agrada de dissonância” (E. G. White. Conselhos Sobre Música, IAE, 1989, p. 23), presumo que: se fomos criados com preferência pela consonância clássica e que quando E. White teve as visões e escreveu a respeito da dissonância este mesmo tipo de consonância preponderava nas músicas da época e, além disso, a maioria dos ouvintes na igreja tem ouvido menos educado ou menos refinado para as variações harmônicas, então a consonância clássica seria a referência para a ordem e relação de combinação de sons que seriam considerados mais agradáveis pelas pessoas do meio cristão. 

Em sua obra “Música, Cérebro e Êxtase“, o autor R. Jourdain sugere que a música dá prazer quando toda a previsão que ela insinua é satisfeita e desejos satisfeitos se tornam intensamente agradáveis. Este é o prazer proporcionado quando o organismo volta ao equilíbrio biológico percebido e influenciado pelo córtex frontal (harmonia, consonância e concordância com nossos ritmos naturais). Por outro lado, o prazer da música proporcionado por dissonâncias, sincopações, torceduras no contorno melódico, repentinos estrondos e silêncio (Música, Cérebro e Êxtase, capitulo 10, Êxtase, pág. 401), é devido ao estimulo direto no centro de recompensa (ou de prazer) do sistema límbico, sem a influência da mente (Córtex frontal), efeito este mediado pelos neurotransmissores e hormônios que favorecem o predomínio das emoções sobre a razão, ou seja, êxtase. Como expliquei no texto acima, este efeito não é condizente com a música de adoração que agrada a Deus. 

[2] Os padrões cíclicos na melodia e sua implicações para a expressão de emoções, foram identificados pelo Neurofisiologista, pesquisador e músico Manfred Clynes, que os denominou de “formas sênticas”. Wolfgang H. M. Stefani explica que a manipulação do tom e da intensidade do som na linha melódica de forma a estimular de forma previsível a expressão de uma emoção, seria a forma sêntica. Quando uma forma sêntica é bem expressa, uma melodia tem acesso direto para estimular a qualidade emocional no ouvinte sem a necessidade de simbolismo auxiliar. Assim ela pode tocar o coração de forma tão direta quanto um toque físico. 

Entendo, assim, que a maneira com que são dispostos os elementos da melodia pode estimular diferentes tipos de comportamento emocional. 

Agora uma explicação sobre como os sons são traduzidos em impulsos nervosos: 

Para nosso sistema nervoso perceber os estímulos externos, estes tem de ser transformados em impulsos elétricos (nervosos). Assim, toda e qualquer informação que chega ao ouvido deve ser transformada em impulsos elétricos, ou nas células nervosas, ou antes de chegar aos nervos. Na cóclea as células ciliadas são os receptores auditivos responsáveis por transformar os movimentos do líquido do ouvido interno, gerado pelas ondas sonoras vindas do exterior, em variação elétrica chamada Potencial receptor. A amplitude do potencial receptor vai determinar maior ou menor liberação de neurotransmissor o qual vai alterar a eletricidade da membrana dos neurônios que compõem o nervo auditivo. Esta variação elétrica nos neurônios é denominada potencial de ação ou impulso elétrico ou impulso nervoso. 

Estímulos sonoros mais fortes produzem potencial receptor maior. Estímulos mais duradouros provocam potencial receptor mais duradouro no tempo. Existem vários neurônios fazendo sinapse em cada célula ciliada e várias células em cada região da membrana basilar da cóclea. As células ciliadas onde houver maior estimulação produzirão maior número de estímulos elétricos e as células vizinhas produzirão número variado de estímulos elétricos. Portanto, quanto maior o potencial receptor maior o número de estímulos enviados num espaço de tempo (maior a freqüência de estímulos) e o sistema nervoso recebe, assim, um mapa codificado em potenciais de ação. 

No receptor (célula ciliada) ocorrem ondas ascendentes de despolarização e descendentes de hiperpolarização, conforme a onda sonora aumenta e diminui, provocando salvas (várias seqüências) de potenciais de ação (impulsos elétricos) e períodos sem potenciais de ação. O volume do som determina a amplitude maior ou menor do potencial receptor. Quanto maior o volume maior a amplitude do potencial receptor e maior o número de impulsos elétricos formados nos neurônios e mais neurônios serão estimulados. Os tons são determinados pela freqüência das ondas sonoras. As salvas de potencias de ação iniciam na fase ascendente da despolariazação do potencial receptor e cessarão na fase repolarizante. Haverá, então, uma salva de potenciais de ação em cada ciclo da onda sonora, ou a cada dois, três ou mais ciclos, dependendo do tempo que a membrana do neurônio precisa para repolarizar completamente e gerar novas salvas de potenciais de ação. A relação entre a periodicidade dos ciclos de salvas de potenciais de ação e a freqüência da onda sonora representa um código para os diferentes tons. 

Cada parte da membrana basilar na cóclea vibra com maior amplitude em resposta a uma determinada freqüência. Essa distribuição (relacionada a cada parte da membrana) é mantida até o córtex auditivo. À medida que a via auditiva (neurônios) ascende no tronco cerebral, as propriedades de respostas das células nervosas tornam-se mais diversificadas e complexas, ou seja, os impulsos nervosos sofrem influência de outros núcleos do sistema nervoso e podem aumentar ou diminuir o número, espaçar ou acelerar e agrupar os impulsos nervosos. Assim, um, Lá de 440 Hz produzirá potenciais receptores apenas nas células ciliadas nessa freqüência. Após isso, poderá sofrer modificações conforme descrito acima. 

Portanto, a cóclea transmite a informação ao longo de fibras separadas no nervo auditivo, como sequências de descargas nervosas formando um padrão ou ciclo padronizado. Esse ciclo padronizado alcança o Córtex cerebral, Sistema Límbico e outros centros nervosos. 

Entendo, assim, que as formas sênticas, ou, a forma de manipular o tom e a intensidade do som, são enviadas da forma descrita acima ao sistema nervoso central, através de padrões cíclicos de impulsos nervosos.


Como a música é percebida e afeta o corpo I

Primeira parte do artigo escrito por Hélio dos Santos Pothin, músico, Doutor em Fisiologia Humana pela UFRGS e professor de Fisiologia Humana na Universidade Federal de Santa Maria, RS. Aproveite! 

Música é a arte de combinar os sons de um modo agradável ao ouvido. O som é uma forma de energia que se propaga através de ondas de compressão e descompressão do ar. Quando essas ondas chegam aos nossos ouvidos as células ciliadas do interior da cóclea as transformam em impulsos elétricos. Esses impulsos são conduzidos pelos nervos, por isso também são chamados impulsos nervosos.

As ondas produzidas por uma fonte sonora podem ter ou não comprimento definido (freqüência determinada). Uma onda sonora com comprimento definido é transformada, no ouvido, em impulsos nervosos os quais são traduzidos pelo córtex (camada cinzenta mais externa do cérebro) auditivo como um tom. A música melodiosa e harmoniosa é formada por tons que possuem altura e duração fixas. Estas proporcionam ao cérebro condições de descobrir relações e proporções entre si e, assim, ir compondo um edifício musical (Robert Jourdain. Música, Cérebro e Êxtase, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1998, p. 94).

Quando uma fonte sonora envia ondas sem comprimento definido (freqüência indeterminada) nosso cérebro, indistintamente, traduz essa informação como ruído (barulho). Este tipo de som é compreendido como uma agressão e, por isso, nosso organismo se prepara para enfrentá-la na forma de uma reação de estresse.[1] Os mecanismos utilizados para isso são tão potentes que, fisiologicamente, são utilizados durante uns poucos minutos apenas, caso contrário se tornam mais prejudiciais do que benéficos ao nosso corpo.

Semelhantemente a qualquer situação de estresse, ocorre um aumento marcante na liberação dos hormônios Cortisol e Adrenalina a fim de preparar nosso corpo para a fuga ou para enfrentar a agressão (luta). Esses hormônios liberam glicose dos locais de armazenamento, diminuem a utilização de glicose nos tecidos fazendo com seu nível sanguíneo aumente; proporcionam maior fluxo de sangue para os músculos; aumentam a pressão arterial, e deprimem o sistema imunológico (diminuem a capacidade de combater doenças) (MuSICA Research Notes, vol. IV, edição 2, Outono de 1997: Norman M. Weinberger. The Musical Hormone; R. A. Rhoades e G. A. Tanner, Fisiologia Médica, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2005). O estresse é produto do hemisfério esquerdo do cérebro. Se esse lado for predominante e se não soubermos vivenciar as situações de tensão, poderemos ficar mais vulneráveis a problemas graves, como infarto ou derrame (Adriana Toledo. Saúde é Vital, ed. Abril, SP, julho 2008, p. 80).

Portanto, para nosso sistema nervoso interpretar a melodia e a harmonia da música as ondas sonoras que chegam ao sistema auditivo devem ser tons, ou seja, ter comprimento definido (freqüência determinada). Existem vários instrumentos que produzem tons: piano, flauta, violino, trompete, clarinete, etc., mas outros instrumentos, porém, não produzem tons e sim ruído: sinos, castanholas, chocalhos, pratos, vários tipos de tambores (caixa, bumbo, pandeiros, bateria, etc.).[2] Por isso, o que a maioria dos tambores faz é exatamente uma explosão de barulho (Robert Jourdain. Música, Cérebro e Êxtase, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1998, p. 65).

Assim, instrumentos musicais que não produzem tons, mas ruídos, aumentam os níveis dos hormônios do estresse nos ouvintes e, na relação entre os três elementos musicais analisados, somente podem ser usados para acentuar o ritmo, pois não produzem harmonia nem melodia.[3]

O volume ou intensidade do som igual ou acima de 90 decibéis gera ondas sonoras fortes, produzindo vibrações que são sentidas através de todo nosso corpo, na forma de impactos vibratórios e não apenas pelos ouvidos, na forma de sons. As freqüências mais graves têm uma influência poderosa no corpo e nas emoções (entrevista na Revista Vecko Revyn, No. 41, 1979, p.12). Quanto mais grave o som, maior o comprimento e menor a freqüência da onda sonora e mais intensa é essa influência. Portanto, sons nesta intensidade além de serem ouvidos são literalmente “sentidos” pelo organismo. Estas vibrações afetam o funcionamento dos órgãos internos e também estimulam a liberação dos hormônios do estresse (MuSICA Research Notes, vol. IV, edição 2, Outono de 1997: Norman M. Weinberger. The Musical Hormone). 




[1] A reação de estresse, organizada pelo organismo, é desencadeada sempre que um (qualquer) estímulo externo ou interno seja compreendido como agressivo, ou seja, capaz de modificar o estado de constância do meio interno do organismo (Homeostase) ou de lesar as células. Um som, mesmo com freqüência determinada, mas com intensidade suficiente para lesar as células ciliadas da cóclea, também será compreendido como agressivo e desencadeará uma resposta de estresse. Um ruído faz com que a membrana basilar da cóclea seja estimulada de forma desigual e desproporcional. Isto não é considerado normal nem benéfico para o meio interno do organismo, por isso desencadeará uma reação de estresse. A auto-preservação envolve vários sistemas (nervoso, endócrino). O mecanismo mais rápido acionado é a reação ou resposta de estresse. A resposta de alerta (faz parte da reação de estresse) visa à auto-preservação e pode ser desencadeada por sons, pela visão, olfato e mesmo tato, desde que o estímulo aplicado esteja gravado na memória como algo perigoso ou que pode lesar células ou, ainda, provoque agressão a qualquer célula do corpo. Um estímulo diferente do habitual que pode ser associado com algo nocivo também desencadeia uma reação de alerta. 

[2] Embora existam sinos e tambores fabricados de maneira que seu som tenha ondas com comprimento que pode ser considerado definido, a maioria dos sinos comuns e tambores não produzem ondas sonoras com comprimentos definidos. A Física considera que estes instrumentos produzem ondas sonoras não tão definidas quantos outros instrumentos. Seria um som ainda “sujo” e, portanto, não considerado junto com instrumentos capazes de, na maioria das vezes, produzir sons bem definidos. 

[3] Embora os instrumentos de percussão também possam ser usados para criar efeitos sonoros, ao invés de ritmos, estamos analisando e comparando, no contexto, os três elementos da música: harmonia, melodia e ritmo. Assim, ruído estaria relacionado somente ao ritmo e não à melodia ou harmonia. Além disso, mesmo efeitos sonoros, quando produzidos com ruídos, aumentam os níveis de estresse. 


Fonte: Música Sacra e Adoração
MÚSICA E CONTEMPLAÇÃO
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